Avançar para o conteúdo principal

Espaço The Indies



Link da imagem

Mais popular, menos santo, sempre António…

Tal como prometido, apresentamos hoje a segunda parte da crónica sobre António Variações. Na primeira, publicada a 3 de Junho, falámos sobre as Origens e chegada a Lisboa, Principais influências e viagens e Espectáculos, discos e fama. Para hoje deixámos a A força da diferença e Legado. António Variações faleceu há 27 anos no dia de Santo António, daí o “Espaço The Indies” ter dedicado ambas as crónicas deste mês ao músico português, como forma de homenagear a sua vida e obra.

Por Bruno Vieira 


A força da diferença

Apesar de não possuir qualquer formação musical, António sabia muito bem o que queria fazer. A célebre frase “entre Nova Iorque e a Sé de Braga“ é disso o exemplo. O processo criativo era muito naif. Tinha uma ideia e tomava nota (escrevia a letra). Por vezes trauteava e depois gravava em cassete que apresentava à banda para tentar fazer a música. O principal problema era conciliar as letras com as músicas, uma vez que António não tinha qualquer noção do tempo musical.

Apesar da sua extravagância (actuava em estúdio como se ao vivo se tratasse), quem com ele trabalhou considerou-o bastante flexível, acabando por aceitar a sua forma de estar. Como referiu um dos seus engenheiros de som, António era um verdadeiro artista. A este estilo muito próprio, Carlos Maria Trindade dos Heróis do Mar e Madredeus terá definido como estilo António Variações, só assim o músico poderia “deitar para fora” tudo o que sentia.

A imagem excêntrica (roupa colorida e barbas compridas) apenas expressava um dos lados da sua personalidade. Segundo testemunhos de pessoas que com ele privaram, António era uma pessoa simples e divertida, embora reservada.
A maneira muito própria de ser e estar na vida não o incomodava, assumindo perante a sociedade a pessoa diferente que era.


 Muito independente, preservava o seu espaço, sendo o seu invulgar lar o espelho da sua personalidade. Definido por muitos como avançado no tempo, ambicionava por novas experiências o que o levou a viajar para ver mais do que Lisboa lhe podia dar. Destas viagens colheu as tendências que serviram para dar à música popular portuguesa uma roupagem moderna e tornar-se no que sempre quis ser, um artista reconhecido. Em Sempre ausente, Canção do engate e Erva daninha alastrar podemos perceber melhor a sua personalidade.
Legado

Nos anos seguintes ao seu desaparecimento falar de Variações parecia ser assunto tabu. As circunstâncias que envolveram a sua morte e o atraso social e cultural do país na década de 80 fizeram com que um dos grandes nomes da música portuguesa caísse praticamente no esquecimento. Dificilmente algum músico assumia ter sido influenciado por Variações, ou mesmo o comum cidadão gostar das suas músicas. 
O pouco reconhecimento da sua obra foi pela primeira vez quebrado com o álbum Tu Aqui de Lena D`Água, editado em 1989, com cinco temas inéditos de Variações.

Pelo meio ficaram algumas versões com destaque para Canção do engate dos Delfins. 



Por altura do décimo aniversário da sua morte foi editado um disco de tributo Variações – As canções de António, no qual participaram nomes como Mão Morta, Três Tristes Tigres, Resistência, Sitiados, Madredeus, Sérgio Godinho, Santos e Pecadores, Delfins, Isabel Silvestre e Ritual Tejo.

Nos anos 90 Fernando Pereira protagonizou uma das mais bens conseguidas homenagens com o espectáculo A Festa da Música de Variações. O filme/documentário Variações de Maria João Rocha, transmitido pela RTP 2 no programa Artes e Letras em 1996, revelou-nos muitas curiosidades e aspectos desconhecidos da vida do músico. No ano seguinte é editada colectânea O Melhor de António Variações e reeditados em CD os seus dois álbuns. De praticamente ignorada, a obra de Variações era finalmente reconhecida. Mas de todas as homenagens, a que teria maior impacto seria o projecto Humanos, no ano em que se assinalou os vinte anos da sua morte. Protagonizaram este super-grupo, nomes consagrados como David Fonseca e Manuela Azevedo (da área do rock) e Camané (Fado). Apesar de ter sido pensado em grande, este projecto excedeu em muito as expectativas mais optimistas.

 Os Humanos não se limitaram a ser meros intérpretes e assumiram-se como um projecto com vida própria, com todo o mérito. Não só acrescentaram valor às suas carreiras de músicos consagrados que já eram, como valorizaram a obra desconhecida de António Variações.
 

Muda de vida e Maria Albertina foram provavelmente as músicas mais ouvidas na rádio em 2005, Quero é viver foi um dos temas da novela Ninguém como tu, transmitida pela TVI e Rugas foi a música escolhida para uma campanha publicitária de um conhecido banco.

Passados vinte anos as músicas inéditas de Variações eram novamente cantadas por todos, prova da popularidade dos temas abordados com os quais qualquer cidadão se identifica, como situações comuns do dia-a-dia, preocupações e reflexões sobre o sentido da vida, uma vez transpostos para refrões orelhudos, garantiram sucesso imediato.

Os números falam por si: mais de 100.000 discos vendidos e três concertos esgotados (dois no Coliseu de Lisboa e um no do Porto), mais a actuação no Sudoeste, um dos pontos altos deste festival. O projecto Humanos foi, sem dúvida, o maior acontecimento musical de 2005, em Portugal, a que se juntaram a edição de uma biografia António Variações - Entre Braga e Nova Iorque, de autoria da jornalista Maria Gonzada e de um CD duplo A História de António Variações, com algumas raridades entre as quais se destaca o inédito Toma o comprimido. Definitivamente estava colocada uma pedra em cima da injustiça e do preconceito que ainda pairavam sobre a vida e obra de António Variações.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Roquivários no Luso Vintage

Link da imagem O início da década de 80 ficou marcado pelo aparecimento de diversas bandas rock no panorama nacional. A causa foi o estrondoso sucesso do álbum de estreia de Rui Veloso “Ar de Rock” que abriu caminho para novas bandas emergirem. Umas singraram na cena musical, até aos dias de hoje, caso é dos Xutos & Pontapés, UHF ou GNR, enquanto outras ficaram pelo caminho, após algum sucesso inicial. Destas destacam-se os Roquivários que encontraram no tema “Cristina” o seu maior êxito junto do público.    Por Carmen Gonçalves A banda formou-se em 1981 no seguimento do “boom” da cena rock, sob o nome original de “Rock e Varius”. Esta designação pretendia reflectir as influências musicais que passavam por vários estilos, não se cingindo apenas ao rock puro e duro. A música pop, o reggae e o ska eram variantes fáceis de detectar no seu som, e que marcaram o disco de estreia , “Pronto a Curtir”, editado em 1981.   Apesar de a crítica ter sido dura com o trabalho

Espaço "Rock em Portugal"

Carlos Barata é membro da Ronda dos Quatro Caminhos, uma banda de recriação da música tradicional portuguesa, que dispensa apresentações. Nos anos 70 do século XX foi vocalista dos KAMA- SUTRA, uma banda importantíssima, que, infelizmente, não deixou nada gravado. Concedeu-nos esta entrevista. Por Aristides Duarte  P: Como era a cena Rock portuguesa, nos anos 70, quando era vocalista dos Kama - Sutra e quais as bandas de Rock por onde passou?   R: Eu nasci em Tomar, terra que, por razões várias, sempre teve alguma vitalidade musical. Aí comecei com um grupo chamado “Os Inkas” que depois se transformou na “Filarmónica Fraude” com quem eu gravei a “Epopeia”, seu único LP. Quando posteriormente fui morar para Almada fui para um grupo chamado Ogiva, já com o Gino Guerreiro que foi depois meu companheiro nas três formações do Kama -Sutra. São estas as formações mais salientes a que pertenci embora pudesse acrescentar, para um retrato completo, outras formações de mais curt

Pedro e os Apóstolos no Luso Vintage

Link da imagem O gosto pela música é universal, “Mesmo para quem não é Crente”, como diria Pedro e os Apóstolos, uma banda nascida em 1992 e que hoje tem o seu momento na rubrica Luso vintage do Som à Letra. Por Gabriela Chagas Pedro de Freitas Branco, um cantor, compositor e escritor português , que a par deste projecto ficou também conhecido por ter sido co-autor de uma colecção de aventuras juvenis, "Os Super 4", é o Pedro da história.   Reza a história que tudo começou numa tarde de Fevereiro de 1992, numas águas furtadas de Lisboa. O apóstolo Gustavo pegou nas congas, o apóstolo Soares ligou o baixo a um pequeno amplificador de guitarra, e o apóstolo Pedro agarrou na guitarra acústica. Não pararam mais nos quatro anos seguintes. Em 92 produziram eles próprios um concerto de apresentação aos jornalistas e editoras discográficas em Lisboa que despertou o interesse das rádios , que acreditaram no grupo. Em Julho de 1996 gravaram o seu primeiro disco, “Mesmo para