A História de Phineas Gage
E se de um dia para o outro a sua vida mudasse de forma drástica após a sobrevivência a um grave acidente? Será que conseguiria lidar com todas as consequências, até mesmo com uma mudança de personalidade? Parece ter sido esse o caso de Phineas Gage. Saiba como um acidente que durou apenas alguns segundos fez de um trabalhador da construção civil uma das figuras mais emblemáticas da história da compreensão do cérebro humano.
Por José Leite
Licenciado em Desporto e Educação Física pela FCDEF, Universidade do Porto
Especializado em Educação Especial, domino cognitivo motor
A história de Phineas Gage leva-nos a pensar na dinâmica de funcionamento do cérebro e da sua relação ou inter-relação com o corpo, o físico, o palpável e o sublime imaginário, a mente, a alma, o espírito.
Mas quem era Phineas Gage?
Gage era um homem novo, 25 anos, atlético, robusto, com movimentos decididos e precisos, capaz de tomar decisões coerentes na gestão do trabalho e na projecção de um futuro equilibrado e integrado num meio social.
Segundo conta a revista Super Interessante, o jovem “ trabalhava no assentamento de trilhos na região de Cavendish, no auge da construção das ferrovias na América. É claro que havia pedras no caminho, rochas que obstruíam a passagem dos trilhos e precisavam sair dali. Para removê-las, Gage seguia um método cuidadoso: fazia um buraco na rocha para colocar pólvora, cobria-a com uma camada de areia, socava tudo com um cabo de ferro, acendia o rastilho, corria e pronto: a rocha explodia em uma nuvem de pedrinhas. Naquela tarde do dia 13 de setembro, porém, Gage negligenciou um detalhe: a areia. Quando socou o bastão directamente sobre a pólvora, uma explosão fez com que o ferro em forma de lança entrasse pelo lado esquerdo da sua face, atravessasse a base do crânio e saísse como um projéctil pelo topo da cabeça. Acidente Horrível, foi a manchete do jornal Boston Daily Courier, uma semana depois da explosão.”
As mudanças
“Alguns meses após o acidente, os médicos e os amigos de Gage notaram algumas mudanças no comportamento dele. Conhecido até então como um trabalhador amigável, solidário e persistente, ele agora revelara-se insuportável com os colegas, além de caprichoso, arrogante e impaciente com as ordens dos superiores, comportando-se, às vezes, como uma criança birrenta”.
“O acidente mudou até o seu linguajar: deixou de lado sua postura austera e respeitosa e passou a falar tanta baixaria que nenhuma mulher era recomendada a ficar perto dele. Demitido por indisciplina, passou a cuidar de cavalos em algumas propriedades sem jamais conseguir um emprego fixo”, avança um artigo da revista Super Interessante.
Mas porquê esta alteração de comportamentos?
Muitos comportamentos associados às relações sociais são controlados pelo lobo frontal, que está localizado na parte mais anterior dos hemisférios cerebrais. Todos os primatas sociais desenvolveram bastante o cérebro frontal, e a espécie humana tem o maior desenvolvimento de todos.
António Damásio defende que não há separação entre a mente e o corpo. A mente tem uma base biológica, a mente e o cérebro constituem uma realidade única. Para o neurologista o pensamento racional exige o contributo das emoções e dos sentimentos.
O Lobo Frontal relaciona-se com a regulação e inibição de comportamentos e a formação de planos e intenções. As alterações provocadas no lobo frontal têm como consequência dificuldades de atenção, concentração e motivação, aumento da impulsividade e da desinibição, perda do autocontrole, dificuldades em reconhecer a culpa, desinibição sexual, dificuldade de avaliação das consequências das acções praticadas, aumento do comportamento agressivo e aumento da sensibilidade ao álcool , bem como incapacidade de aprendizagem com a experiência.
A nível cognitivo, o córtex pré-frontal está implicado no comportamento dirigido a objectivos – a área dorsal à aplicação de regras, à criação de sequências de comportamento e à formulação de planos de acção; a área orbital à motivação e adequação de comportamentos (modificação ou supressão de respostas quando se mudam as circunstâncias).
Quando o córtex da Área Pré-Frontal é lesado, o indivíduo perde o senso das suas responsabilidades sociais, bem como a capacidade de concentração e de abstracção. Em alguns casos, o indivíduo mantém intactas a consciência e algumas funções cognitivas, como a linguagem.
Gage após perder massa encefálica fica com desvios de personalidade que o tornam uma pessoa diferente, uma nova pessoa com comportamentos inaceitáveis pela Sociedade.
Descartes dividia a mente (res cogitans) e o corpo (res extensa) como entidades independentes e posicionando a mente numa posição superior e que justifica a existência de uma entidade espacial, palpável, divisível e inferior que é o corpo.
No entanto, o caso de Gage mostra-nos que alterações morfo-fisiológicas e estruturais no cérebro têm implicação directa na alteração de comportamento e tomada de decisões, o que nos leva a crer que a relação corpo/mente e mente/corpo baseia-se numa inter-comunicação bidireccional.
Damásio defende a teoria de que o sentimento e as emoções são indispensáveis à tomada de decisões correctas. A valorização da emoção como determinante da capacidade de decisão deriva, em parte, da observação e do estudo do caso de Gage.
Assim, torna-se basilar alargar conhecimentos nesta área para melhor entender, perceber e actuar com coerência no nosso dia-a-dia.
A racionalidade está interdependente das emoções e “negoceia” as tomadas de decisões. Não há divisão entre corpo e mente, há sim uma relação complexa de factores neuro-psico-biológicos que se manifestam no nosso comportamento.
Pode consultar artigos completos do autor :
O caso de Phineas Gage
Reflexão crítica sobre o cérebro
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O caso de Phineas Gage
Reflexão crítica sobre o cérebro
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