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Datado de 1985, Ran – Os Senhores da Guerra realizado Akira Kurosawa foi na altura o filme mais caro da história japonesa. Apesar de escrito por Kurosawa, a narrativa do filme baseia-se livremente na peça Rei Lear de Shakespeare e é uma das obras maiores da história do Cinema. Descortinamos o porquê , aqui, na Máquina do Tempo.
Por Miguel Ribeiro
Há obras que têm imensas camadas de análise sobrepostas ou passíveis de serem descobertas dependendo do olhar e reflexão de cada um e Ran é uma delas. Para começar, temos uma obra baseada no jidaigeki, um conceito japonês de drama histórico que se situa no período Edo de 1600 a finais de 1800, e que envolve certas regras da narrativa, de maquilhagem e linguagem; depois, uma estória que envolve os conceitos trágicos shakesperianos, onde vemos o Grão-Senhor Hidetori Ichimonji ,dono de vastas terras, decidir dar o poder ao seus três filhos Taro, Jiro e Saburo . Isto porque considerava que os três serão invencíveis se permanecerem unidos, ilustrando isto com a simbologia de que uma seta se parte facilmente e que três setas são mais difíceis de quebrar, ao que um dos filhos responde que o seu argumento é ilógico e falível, dando o mote para o resto da estória repleta de conflito.
O que se segue, é a clássica estória da queda de um clã, por motivos de poder e da natureza violenta que nós humanos perpetuamos (aliás , um tema recorrente em Kurosawa) e carregado de metáforas análogas a um existencialismo quase desolador que está, aliás, intimamente ligado a um outro ponto forte do filme, o trabalho visual presente, (que é potente e justifica a visualização da obra por si só) seja através da composição das imagens, carregadas de um forte simbolismo, como o uso das cores (há planos e cenas que fazem lembrar pinturas de Rembrandt no seu contraste entre o claro e escuro e a forma como as cores dançam na imagem) como na própria montagem do filme, onde observamos curtas inserções de planos de formações de nuvens que demonstram os estados de espírito das cenas que contextualizam, ao ponto de que à medida que a narrativa progride, as nuvens, outrora compactas e que simbolizavam a força do clã, se vão dissipando, ou abrindo brechas, às vezes dando a ideia de que o céu parece sujo e quase vermelho, simbolizando a destruição do clã através das guerras e das mortes, tudo pela sede do poder.
A actuação é claramente de índole teatral, tal como a génese da narrativa; os movimentos dos actores em cena, as falas e todo o tom dramático presente, mas também pelo uso de uma personagem que é Kyoami, uma espécie de Bobo da Corte que fala as verdades através de enigmas e estórias, ridicularizando o Grão-Senhor Hidetori, assim como vai ajudando o espectador a perceber a divisão e dúvidas que se vão propagando na cabeça de Hidetori, através alguns provérbios e frases carregadas de imenso simbolismo.
Estando ciente de que ainda há muito para falar sobre esta obra, lembro que este filme tem uma cena que é considerada uma das mais influentes cenas de guerra no Cinema, em que vemos o Grão-Senhor Hidetori encurralado num Castelo a defender -se do ataque dos filhos e observamos a matança e horror da guerra, numa montagem com música que se sobrepõe ao barulho infernal dos soldados e das armas e que vemos depois repetida em filmes, como Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg ou em Platoon ,de Oliver Stone.
Uma obra intemporal de Kurosawa, um épico de guerra que é mais do que um filme sobre a busca do poder ou sobre a violenta natureza humana, uma obra de arte potente a todos os níveis do Cinema, sejam eles visual, sonoro ou de montagem, assim como nas actuações das personagens, carregadas de reflexões de natureza filosófica e imensa densidade temática.
Para ver e admirar...
Para ver e admirar...
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