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Espaço "The Indies"


 
Mais popular, menos santo, sempre António… 

Junho é mês de Santos Populares, sendo o dia de Santo António o ponto alto destas comemorações para todos os alfacinhas e não só. O dia do padroeiro de Lisboa também é  a data em que outro António, os das músicas também elas populares, partiu. É nesse dia que se assinalam os 27 anos do seu desaparecimento, ocasião mais que oportuna para o espaço “The Indies” dedicar as duas crónicas deste mês a este singular músico português.

 Por Bruno Vieira

Se António Variações fosse vivo teria 66 anos, mais ou menos a idade de Mick Jagger ou David Bowie. Esta precoce partida acabaria por deixar um enorme vazio na música popular portuguesa, infelizmente pouco reconhecido nos anos que imediatamente se seguiram à sua morte. Mas a curta carreira de Variações não diminui a sua importância enquanto artista e a prova disso é que teve uma carreira bastante produtiva com apenas dois álbuns, motivos mais que suficientes para considerar Variações como um dos nomes maiores da música portuguesa do último quarto do século XX.

Este especial sobre a vida e obra de Variações está dividido em cinco partes, que cobrem os aspectos mais importantes do percurso do autor/cantor desde as suas origens até ao legado que deixou na música portuguesa. Para além da introdução, hoje falaremos das Origens e chegada a Lisboa, Principais influências e viagens e ainda Espectáculos, discos e fama. Para o próximo dia 17, ficam A força da diferença e Legado. 

Origens e chegada a Lisboa 

A 3 de Dezembro de 1944 nasce António Joaquim Rodrigues Ribeiro na Freguesia de Fiscal - Amares, Braga. Filho de camponeses, termina a escola primária e depois de recusar a profissão de carpinteiro, imposta pelos pais, ruma a Lisboa onde já se encontravam dois irmãos e alguns familiares. Trabalha com empregado de balcão, empregado de escritório e barbeiro. Esta última profissão irá aperfeiçoar, tornando-se mais tarde cabeleireiro. Estuda de noite. A ideia de um dia vir a ser um fadista famoso acompanha-o desde pequeno, quando cantava no quintal da casa de família. Sem nunca renegar às suas origens, a chegada a Lisboa abre-lhe os horizontes, mas por pouco tempo, já que cedo se apercebe da pobreza social e cultural da capital. Olhei para trás, Linha – vida e Anjinho da guarda são os temas que melhor retratam esta etapa da sua vida.

Principais influências e viagens 

A procura de novos horizontes leva-o a Londres em 1975, onde fica cerca de um ano. Parte depois para Amesterdão onde vive cerca de três anos e aprende a profissão de cabeleireiro. Nesta cidade faz amizades que mais tarde visita com regularidade. De volta a Lisboa, estabelece-se como o primeiro cabeleireiro unisexo do país, abrindo mais tarde uma barbearia na Rua de S. José. Terá afirmado um dia que apesar de gostar da sua profissão, não a considerava uma paixão e que o mais importante era ter rendimentos para viver e gozar férias no mês de Agosto. Visita Nova Iorque e regressa à Holanda. O espírito inconformado e de cidadão do mundo estão presentes nos temas Estou além e Minha cara sem fronteiras



As figuras da Mãe, Amália e Fernando Pessoa constituem as suas principais referências e fonte de inspiração para algumas das suas músicas, tais como Deolinda de Jesus, Povo que lavas no rio, Voz – Amália – de nós e Canção

Apesar de fascinado pelo que vê lá fora, facilmente encontra um equilíbrio entre o que se poderá denominar vanguarda e tradicional. É neste contexto que terá ficado célebre a expressão “entre Nova Iorque e a Sé de Braga“, que mais não significava do que a fusão entre a música moderna e a música popular/tradicional portuguesa, sem esquecer o Fado, mais pela forma como o próprio António entoava a voz.

Espectáculos, discos e fama 

Para António a grande paixão era mesmo a música e tudo havia de fazer para concretizar o seu sonho. Mas de início as coisas não foram fáceis e pelo meio foi coleccionando algumas frustrações. Por exemplo, quando concorre para vocalista dos Corpo Diplomático (banda antecessora dos Heróis do Mar), chumba na audição. Mas nem tudo se perde, já que se torna cabeleireiro da banda. Em 1977 assina finalmente contrato com a Valentim de Carvalho, depois de apresentar uma maqueta com alguns temas. Foi para estúdio mas os resultados ficaram aquém das expectativas, dado não ter sido encontrado o “registo certo”. 

Sabendo que a melhor forma de dar-se a conhecer era fazer espectáculos e esperar por uma nova oportunidade da editora, apresenta-se ao mundo artístico como António e Variações, nome da orquestra/grupo que pretendia criar. Daí o nome definitivo António Variações. 

Em Março de 1981, sob o nome António (autor/intérprete), faz o primeiro espectáculo na discoteca Trumps que, devido ao ruído, provoca alguns problemas com a vizinhança. Não tendo corrido da melhor forma, regressa ao Trumps para um segundo espectáculo melhor organizado, e canta a música Toma o comprimido. Mais confiante depois de uma actuação bem sucedida, convence Júlio Isidro (cliente da barbearia) a ouvir uma cassete com músicas suas. Não demorou muito até ser convidado, ainda nesse ano, a actuar no programa O Passeio dos Alegres, onde cantou os temas Toma o comprimido e Não me consumas. O primeiro acabaria por se editado apenas em 2006 na colectânea A História de António Variações. Já o segundo seria editado pelo projecto Humanos em 2004. 

Sem novidades da parte da Valentim de Carvalho e com um contrato assinado vai para quatro anos, no qual existia o compromisso para a gravação de um disco, fala com o irmão Jaime Ribeiro (advogado) no sentido de pressionar a editora. Em Julho de 1982 é finalmente chamado para entrar em estúdio e iniciar os ensaios para a gravação do primeiro maxi-single Povo que lavas no rio/Estou além. A admiração por Amália era tal que António chegou a fazer a primeira parte de um dos espectáculos da fadista, na Aula Magna, como forma de a homenagear. 

Para além de O Passeio dos Alegres em 1981, actua também nos programas da RTP Musicaqui e Retrato de Família em 1982 e Frut`ó Chocolate e Ora Bem em 1983. Os seus videos passam no programa Vivamúsica em 1983. 

Ainda neste ano é editado o primeiro LP Anjo da Guarda, com elementos dos GNR como músicos de suporte. O resultado supera todas as expectativas e temas como O corpo é que paga, É p`rá amanhã e Quando fala um português, tornam-se grandes êxitos. No Verão desse ano, António Variações é muito solicitado para espectáculos ao vivo por todo o país. 

No ano seguinte, durante as gravações do segundo LP Dar e Receber, António começa a evidenciar alguns problemas de saúde. Músicos e técnicos com quem trabalhava julgam tratarem-se de sintomas de fadiga devido ao número excessivo de espectáculos. Ainda assim consegue terminar o álbum que, desta vez, contou com o apoio dos Heróis do Mar. Apesar de bem sucedido, o êxito de Dar e Receber ficou aquém de Anjo da Guarda devido ao falecimento prematuro do músico a 13 de Junho de 1984, no Hospital da Cruz Vermelha em Lisboa. Provavelmente Variações terá sido uma das primeiras vítimas conhecidas de Sida em Portugal. Com a sua morte, toda a promoção do álbum teve de ser cancelada. No entanto, temas como Perdi a memória, Quem feio ama e Dar e receber, perduraram.




(continua a 17 de Junho…)

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