A vitória dos Homens da Luta no Festival RTP da Canção
Muito se tem falado sobre a vitória dos Homens da Luta no Festival da Canção. Este ano o evento realizado pela RTP destinado a escolher a canção que nos irá representar na Eurovisão, para o mal e para o bem, teve o mérito de colocar o festival no centro das atenções (e discussões), como há muito não se via. Depois de duas décadas de decrescente popularidade e sem que nada o fizesse prever, eis que falar sobre o festival passou a ser tema de conversa em casa, na rua ou através das redes sociais.
Por Bruno Vieira
À partida tudo parecia correr dentro da normalidade, para não dizer mediocridade na maior parte dos casos. Um após outro os participantes apresentavam as suas canções, do tipo “mais do mesmo” ou “onde é que já vimos isto em edições anteriores”, para no final chegarmos à mesma conclusão de sempre, “vamos lá ver como é que isto vai correr lá fora”, numa atitude típica de derrotados à partida.
Se tudo tivesse corrido dentro da normalidade e depois de apurado o vencedor, teria ficado no ar aquele sentimento de pouca esperança e eterno lamento. Mas depois de anunciada a 10ª canção “A Luta é Alegria” dos Homens da Luta, já nada seria como dantes. Conhecidos de muitos mas desconhecidos de muitos mais, o colectivo liderado por Jel e Falâncio subiu ao palco do Teatro Camões perante a incredulidade da maioria dos presentes. Certamente a vitória estaria longe dos seus planos e a simples participação já seria marcada pela diferença, mas quando aos votos dos júris distritais são somados os votos dos telespectadores “A Luta é Alegria” passa de 7º para 1º lugar.
O impensável tinha acontecido e estupefactos os vencedores terão confessado a sua preocupação pelo facto de não poderem cumprir os compromissos entretanto agendados para o período em que iriam estar ausentes de Portugal.
A bomba tinha rebentado e a pequena claque de apoio aos Homens da Luta foi insuficiente para conter o descontentamento da maioria dos presentes no Teatro Camões. Houve para todos os gostos, os que saíram antes mesmo da consagração da canção vencedora, outros esperaram e não se contiveram nos apupos, outros ainda terão optado por permanecer em silêncio embora com cara de poucos amigos, olhando incrédulos "como é que estes freaks ganharam?". É de lamentar tamanha falta de desportivismo, uma vez que deveria ter sido uma vitória de todos. Não sendo possível agradar a Gregos e Troianos, impunha-se ao menos um pouco de respeito e educação.
Também me surpreendeu os argumentos de quem se manifestou contra “A Música é Alegria”, alegando a triste figura que vamos fazer na Alemanha ou então o facto de se estar a misturar música e política, como se já não tivesse acontecido no passado. Não é pelo facto de apresentarmos uma sátira do Portugal dos Anos 70, apesar de perfeitamente actual, que seremos mais prejudicados do que já fomos noutro anos, quando supostamente procurámos mostrar uma pretensa modernidade. E no que deu?
Em relação à petição entretanto criada para impedir a participação dos Homens da Luta, Bruno Nogueira no Tubo de Ensaio da TSF terá dito "anda por aí muita gente preocupada com a imagem de Portugal na Alemanha, logo eu que pensava que fazermos figuras tristes na Eurovisão era um mal crónico. Que prestígio nos deu músicas como Baunilha e Chocolate de Tó Cruz ou Dai-Li-Dou (Papagaio Voa) dos Gemini?", para não falar de tantas outras?
No dia em que escrevi esta crónica, soube da notícia que a participação dos Homens da Luta estava garantida na 56ª edição do Festival da Eurovisão da Canção. Jel, Falâncio e companhia vão estar presentes na Alemanha em Maio, independentemente e acima de qualquer polémica. Os cães ladram e a caravana passa! Seria abrir um grave precedente excluir uma canção de participar na Eurovisão depois de ter sido escolhida com toda a legitimidade pelo seu povo, apenas porque um grupo de pessoas se lembrou de criar uma petição contra a participação da mesma. Se “A Luta é Alegria” não respeitasse todo o regulamento, alguma vez teria tido a hipótese de participar no Festival RTP da Canção?
Independentemente do resultado na Alemanha, este ano fez-se história com uma canção que teve o mérito de romper com o politicamente correcto das edições anteriores. Esperemos que muitos mais Homens da Luta se sigam e que no final se despeçam tão ironicamente como Jel se despediu: “quero agradecer a todos os que votaram em nós, mas quero agradecer ainda mais aos que não votaram”.
Ironia das ironias, este ano, o Eurofestival vai realizar-se no país que representa o poder económico e financeiro da Europa. Estando Portugal na situação precária em que está, será que os pontos para a nossa canção virão na mesma proporção da ajuda que Portugal precisa?
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