Não sei até que ponto hoje em dia Sissy Spacek se sente orgulhosa do seu desempenho neste filme. Mas para mim o grande sucesso de “Carrie” deve-se em grande parte à histórica interpretação da personagem saída da imaginação maquiavélica de Stephen King e que Brian de Palma converteu num dos seus maiores sucessos, quer junto à crítica quer junto a um público que muito embora renovado ao longo dos anos, sempre soube dar o devido mérito a esta história de terror.
Por Rato Cinéfilo
Apesar de possuir um dom pouco vulgar (a capacidade de mover objectos apenas com a força da mente), tudo o que a tímida Carrie White mais deseja é ser aceite entre as colegas do liceu. Mas as suas características de “patinho feio” e a educação recebida da mãe, uma religiosa fanática, não ajudam nada à possibilidade dessa integração. Pelo contrário, sente-se cada vez mais excluída e, pior, alvo constante de humilhações sucessivas. Até que um dia uma série de eventos irão levá-la a ser coroada como rainha do baile de finalistas. Só que no auge da sua efémera glória surgirá mais uma humilhação que pelo seu carácter público exige a devida retaliação. Carrie usa então os seus poderes para iniciar um vingativo, embora curto reinado de terror.
Muito embora acusado nesta altura de plagiar a obra do mestre Hitchcock, Brian de Palma tem aqui um dos seus melhores trabalhos, que “Phantom of the Paradise” já fazia prever dois anos antes. Toda a sequência do baile de finalistas é de antologia, com as técnicas do slow-motion e dos écrans múltiplos (a revelarem-se aqui uma imagem de marca do realizador) a serem extremamente eficazes. Ao contrário de outros realizadores De Palma sabe efectivamente tirar partido de uma montagem rápida e dividida ao precedê-la de um longo plano-sequência, sem qualquer corte, e cuja lentidão é ainda mais acentuada pelos low-motion. Ou seja, o efeito desejado é aqui obtido pelo contraste de duas sequências de características antagónicas.
Uma referência à também excelente banda sonora, da autoria de Pino Donaggio, que fornece o contra-ponto ideal a todo o filme. Grande compositor siciliano, cujo trabalho se pode encontrar em muitas dezenas de filmes, Donaggio assina ainda, de parceria com Merrit Malloy, duas belissimas canções, cantadas por Katie Irving: “Born To Have It All” e sobretudo “I Never Dreamed Someone Like You Could Love Someone Like Me”, que é indissociável da sequência de coroação do baile de finalistas, conferindo-lhe uma magia etérea, própria dos contos de fadas, onde a menina feia tem por fim acesso ao seu príncipe encantado.
John Travolta inicia neste filme a sua carreira no cinema, um ano antes de “Saturday Night Fever”, e logo depois “Grease” o terem projectado para a fama, bem como Amy Irving, que seria a futura Srª Spielberg. Aliás, todo o elenco de “Carrie” é cinco estrelas, tendo o filme sido nomeado nas categorias de interpretação: Actriz secundária (Piper Laurie) e Actriz principal (Sissy Spacek), o que julgo ter constituido uma excepção, pois Hollywood sempre considerou o terror como um género menor. Nenhuma delas viria a ganhar a estatueta dourada, mas quem se lembra hoje do desempenho das vencedoras (Faye Dunaway e Beatrice Staright no filme “Network”)?
Como o tempo já se encarregou de provar, “Carrie” irá perdurar para sempre nas preferências do público em geral e não apenas dos apreciadores de filmes de terror. Até porque, e talvez seja isso que faz o seu sucesso, “Carrie” é muito mais do que um simples filme de terror, apesar da condescência que foi o derradeiro plano. Mas até essa joke final está filmada com tal mestria (mais uma vez o contraste, também duplo - da imagem e da música - tem aqui um papel fundamental) que mesmo já tendo sido vista dezenas de vezes e por isso mesmo podendo-se antecipá-la, é inevitável o sobressalto do espectador.
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