Carlos Barata é membro da Ronda dos Quatro Caminhos, uma banda de recriação da música tradicional portuguesa, que dispensa apresentações.
Nos anos 70 do século XX foi vocalista dos KAMA- SUTRA, uma banda importantíssima, que, infelizmente, não deixou nada gravado. Concedeu-nos esta entrevista.
Por Aristides Duarte
P: Como era a cena Rock portuguesa, nos anos 70, quando era vocalista dos Kama - Sutra e quais as bandas de Rock por onde passou?
R: Eu nasci em Tomar, terra que, por razões várias, sempre teve alguma vitalidade musical. Aí comecei com um grupo chamado “Os Inkas” que depois se transformou na “Filarmónica Fraude” com quem eu gravei a “Epopeia”, seu único LP. Quando posteriormente fui morar para Almada fui para um grupo chamado Ogiva, já com o Gino Guerreiro que foi depois meu companheiro nas três formações do Kama -Sutra. São estas as formações mais salientes a que pertenci embora pudesse acrescentar, para um retrato completo, outras formações de mais curta duração em que toquei com muitos músicos de grande valor daqueles tempos.
Era um tempo heróico, o Rock, não da baliza às costas mas da aparelhagem às costas, antes do aparecimento dos “roadies”, em que os músicos faziam tudo e ainda agradeciam. Talvez não seja muito diferente do que nalguns casos é hoje mas nós éramos completamente viciados na música. Só estávamos bem a tocar e a ensaiar dias inteiros. Era um prazer enorme.
P: Quais foram os elementos que passaram pelos Kama -Sutra?
R: Na primeira formação estiveram o Rui Pipas (Rui Pereira da Silva), um grande guitarrista de Castelo Branco, o Pedro Taveira, um baterista enorme, do Porto, o meu companheiro de sempre (Gino Guerreiro) e eu. Depois o Pipas foi para a tropa e entrou o Zé Cancela para os teclados e o Jaime Gonçalves para a guitarra.Por fim entrou, para substituir o Pedro Taveira, o Zé da Cadela que também era (e é), de Almada.
P: Os Kama- Sutra nunca editaram nenhum disco. Hoje são recordados com saudade por muitos que os viram ao vivo. Imaginava que isso pudesse acontecer, passados tantos anos?
R: Eu não tenho muitos ecos da saudade que deixámos. Lá vou ouvindo, muito de vez em quando, qualquer coisa, mas é mais de amigos ou de alguém que encontro quando vou tocar com a Ronda. O que eu posso garantir é que eu tenho imensas memórias boas desses tempos e a certeza de que a qualidade e o vanguardismo do Kama- Sutra merecia que dele houvesse uma melhor memória. Criou-se música, nesse tempo, que hoje só existe na minha cabeça e isso, não sendo uma perca para a humanidade é, de facto, uma pena.
P: Hoje é músico na Ronda dos Quatros Caminhos. Ainda continua a gostar de Rock, sobretudo dos anos 70?
R: Às vezes digo, a brincar, que o rock morreu com o fim dos Genesis, dos Gentle Giant, dos Jethro Tull, dos Crosby, do Emerson, do meu ídolo Frank Zappa… e de muitos outros. Durante alguns anos, a ver o aparecimento de músicos de grande sucesso que vieram ocupar o lugar daqueles e que, para o meu gosto, não tinham muito interesse, receava que alguma coisa me estivesse a escapar. Hoje verifico que anda muito miúdo a descobrir tudo aquilo e sinto-me muito orgulhoso da música do meu tempo e tenho a certeza de que ela correspondeu a um período único de criatividade em que a indústria ainda não tinha tomado conta de tudo. Continuo a ouvir, consumir e divulgar muita música desse tempo (mas não só)
P: Os Santiago (um projecto paralelo à Ronda e que, há uns anos, deu um magnífico concerto na Guarda) só editou um álbum. Não há nada de novo programado para edição, pelos Santiago?
R: Eu e os meus parceiros actuais estamos na música por muitas razões mas a principal é o prazer que dela tiramos. Por vezes, aquela “graça” de estar em cima de um palco implica um esforço e um trabalho cuja grande compensação é o gozo de fazer música. O Santiago veio satisfazer uma vontade nossa de fazer música original. De pôr em CD músicas que tocamos no intervalo dos ensaios e que achávamos ser interessantes para publicação. Temos outro trabalho completamente acabado que não sai porque outras coisas se colocam como prioridade. Já pensámos oferecê-lo com um próximo trabalho da Ronda. A ver vamos…
P: Acha que a recriação da música tradicional portuguesa, tal como a faz a Ronda, continua a ser uma corrente importante da música portuguesa?
R: A música tradicional é rica, interessante e faz parte de uma coisa em desuso que é a identidade nacional. O modo como a Ronda o faz é apenas uma das maneiras como pode ser feita. Mais importante é que haja muita gente, com opções e características diferentes, que continue a criar música baseada na tradição. Acresce que, não sendo uma música que esteja na moda, tem dado à Ronda razão de existir com dignidade e, pode-se considerar, algum sucesso.
P: Para quando um novo álbum da Ronda dos Quatro Caminhos?
R: A Ronda está a trabalhar em grande força para preparar três espectáculos e aproveitamos até para convidar as pessoas a estarem presentes no segundo deles. Na Idanha, no próximo dia 28 de Outubro, vão-se apresentar com a Ronda um quarteto de cordas, um grupo de seis cantadores alentejanos e as Adufeiras de Monsanto. A Ronda adaptou três canções do reportório da Beira para este último grupo e estamos em grande expectativa para ver como tudo se irá conjugar em palco.No dia 21 será em Mértola onde se apresentarão também os “Cantadores de Mértola” para os quais fizemos também três “modas”. Por fim, em 11 de Novembro, todos os grupos referidos mais o coro misto “Eborae Musica”, para quem fizemos também três adaptações de músicas tradicionais, farão um espectáculo que será gravado para posterior publicação em CD.
P: A Ronda dos Quatro Caminhos já actuou, várias vezes, no distrito da Guarda. Tem boas recordações do público deste distrito?
R: É uma zona do país onde gostamos muito de ir, não só porque somos normalmente bem recebidos pelo público como também porque aí se faz boa cozinha portuguesa e esse é um factor de acrescido interesse para nós.
Por último gostaria de agradecer a oportunidade de dar esta entrevista em que falei mais de mim do que é costume e tive o prazer de recordar tempos muito felizes. Tenho a sorte de sempre ter feito música e esta carreira tão longa é, apesar de discreta, um grande motivo de orgulho para mim. Muito obrigado.
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